Luciano Eifler (RS) – Médico-socorrista e Cirurgião
- Quais os desafios do SAMU nos próximos anos, no Brasil?
Educar a população, fazer uso do 192. Essa é uma missão das assessorias de comunicação, das secretarias de Comunicação, porque os recursos são finitos. Não há como enviá-los para qualquer situação. Há uma estratificação de risco, então o grande desafio é a população aprender como usar. O SAMU é a porta de entrada nos atendimentos das urgências e emergências. É o primeiro elo da corrente, é um serviço muito precioso para o nosso País, principalmente num país em que a acessibilidade à saúde não é como se gostaria que fosse. É preciso qualificar as pessoas que lá estão, valorizá-las, para que elas se mantenham nesse tipo de atendimento. Não é fácil estar lá, é uma luta diária. E é preciso investir em saúde e emergência. Não só no pré-hospitalar, mas emergências e urgências. Queremos padrão FIFA também na saúde.
- O que acha de trazer o tema da catástrofe de Santa Maria para o XII Congresso da ABM?
Acho fantástico. Estou muito agradecido pelo convite. Mostramos a experiência que tivemos lá, que teve destaque nacional e interacional. Aqui, na Bahia, também o Samu é bem estruturado. Eu conheço já como funciona. É relativamente novo, comparando com Campinas e Porto Alegre, que são antigos, têm quase 18 anos de história. Mas ele está muito bem estruturado. E eu acho que vai acrescentar essa experiência passada para que o pessoal saiba como agir em uma situação dessas. É importante a simulação de Já vi alguns simulados de rotina , para que as equipes façam um entrosamento, nessas situações de múltiplas vítimas. O Congresso está de parabéns, toda a Comissão Organizadora.
Gustavo Fraga – presidente Isbait (SP):
- Quais os desafios da formação profissional para atendimento em trauma no Brasil?
Nesse momento que estamos vivendo no Brasil, uma crise muito grave no sistema de saúde, uma das prioridades que existem é a capacitação de profissionais para trabalhar com urgência e emergência. Sabemos que, durante a graduação, nem todas as escolas oferecem uma formação adequada e a maioria dos egressos das escolas de Medicina, os recém-formados, acabam atuando na área de urgência e emergência (UPAs, SAMU, Pronto-Socorros), porque é um mercado que precisa de muitos profissionais. A capacitação desses jovens na urgência e emergência, tanto na parte clínica como na cirúrgica (em especial nessa questão do trauma, terceira causa de óbito em nosso País, e a primeira na população jovem), é muito importante. O Brasil é o único país do mundo que dá o título de cirurgião geral a um jovem com dois anos de treinamento, um absurdo. A Isbait está trabalhando junto ao governo federal (existe uma ação boa do governo que é o Pró-residência), para estimular a criação de programas na área de atuação em cirurgia do trauma. Existe um imenso desejo da sociedade de que esse treinamento seja de dois anos: além de fazer um R3, que esse jovem faça também um R4, com dois anos na área de cirurgia em trauma, mas o Colégio Brasileiro de Cirurgiões ainda não deu parecer favorável para essa solicitação da Isbait. Aguardamos a resposta ainda esse ano, para que nos próximos concursos (que vão ser no final de 2013), essa área de atuação possa ter dois anos de duração na formação. Isso é apenas o começo, porque precisamos de recursos humanos na área de trauma. O Brasil tem formado poucos cirurgiões para essa área nos últimos anos, às vezes é difícil atrair o profissional. O que observamos com os movimentos que acontecem, principalmente com as ligas acadêmicas de trauma, é que a procura vem aumentando nos últimos anos e a contrapartida de nós, professores e gestores da saúde, é oferecer condições adequadas para que eles atuem (hospitais adequados, salários adequados, com planos de carreira), para que esses indivíduos possam escolher urgência e trauma como opção.
É importante trazer o tema para o XII Congresso da ABM, pois, além de profissionais experientes e uma sociedade médica grande, que ajuda na formação de opinião entre colegas da área médica, temos aqui uma maioria de jovens, muitos estudantes, que ainda estão direcionando o futuro, em termos de especialização. Isso cria a possibilidade de que se consiga reverter o cenário que atualmente não é muito bom: dificuldades no SUS e a dificuldade de fixação de profissionais principalmente na área de urgência e emergência.
Edvaldo Utiyama - cirurgião – geral (SP)
- O que o Senhor destacaria na relação médico/paciente/familiares na área de cirurgia-geral (aspectos éticos)?
Passou o tempo em que o médico era considera o todo-poderoso e ele isoladamente tomava as decisões. Hoje, de boa prática, ele precisa comunicar o doente das alternativas que existem de tratamento, dos benefícios que se vai obter com a cirurgia e dos riscos que ele vai sofrer fazendo o tratamento da operação. Baseado nisso, após todo esse esclarecimento, de comum acordo, o médico toma a decisão que eles acordarem. Essa é a melhor forma de tratar o doente. Faz com que os médicos tenham um bom relacionamento com o paciente, porque precisam ter tempo para explicar - e isso aproxima muito. Também evita e muito as discussões com relação a resultados, principalmente quando as cirurgias não vão bem. Facilita para o médico, a família e o doente para dar prosseguimento nos cuidados.
- Para o Sr. qual a Importância do Termo de Consentimento?
O Termo de Consentimento é uma ferramenta. O que as pessoas precisam entender é a importância da ferramenta, não simplesmente pedir para o doente assinar. Acho que o Termo existe para lembrar o cirurgião de explicar como vai ser feito o procedimento, quais são os benefícios e riscos. É necessária essa prática. E o doente, ouvindo tudo isso, assina sem nenhum problema. Algumas vezes, quando isso não é tratado de uma forma adequada, pode gerar um pouco de insatisfação e suspeita por parte do paciente, pois ele acha que está assumindo algum compromisso. Depende de como o médico percebe isso. Eu vejo como um bom momento, tanto para o cirurgião, como para o paciente. Isso tem ajudado muito; não elimina os problemas de relacionamento, mas ajuda.
- A cirurgia laparoscópica veio para ficar?
Sem dúvida, a cirurgia laparoscópica vai ficar. Há muito ainda que avançar no desenvolvimento de aparelhos, mas ela veio para ficar e vai avançar mais ainda. Isso não quer dizer que a cirurgia aberta, convencional, está fadada ao seu fim. Acho que ainda temos muitas situações que precisam de cirurgia aberta. Infelizmente esse tempo vai demorar para chegar.
- Ainda existem muitos casos em que são feitas cirurgias sem indicação real?
Existem, porque os métodos diagnósticos não são 100%. Eles também falham e às vezes induzem o médico a ter um erro diagnóstico. Exemplo: tem muita inflamação dentro do abdome, que com medicações poderiam ser solucionadas, mas os métodos diagnósticos atuais apontam suspeita de tumor. O cirurgião opera. Você encaminha o material com o exame que revela que era um processo inflamatório e não um tumor. A Medicina não é 100%, temos falhas.
- Qual a importância de trazer o tema para esse Congresso?
Esses são assuntos que sempre devem ser tratados em qualquer evento, não só na área da cirurgia, na área clínica também: a questão do diagnóstico, do relacionamento com o doente, isso vale para todas as áreas da Medicina, e eles são sempre atuais. O ser humano tem uma característica bastante importante: ele sempre está evoluindo. E os relacionamentos, as decisões também sempre evoluem. Isso não vai acabar, sempre vamos aprimorar mais a cada dia.
Dario Birolini – cirurguão-geral (SP):
- O trauma no Brasil é a principal causa de morte nas primeiras três décadas de vida...
Particularmente no Brasil, é um problema de saúde pública que praticamente está sendo esquecido. Quando se olha para dados oficiais do Ministério da Saúde, constata-se que evidentemente que pessoas de idade morrem, provavelmente, de câncer ou doenças cardiovasculares. Obviamente num momento da longevidade, por causa dos investimentos feitos, cada vez mais há mais câncer a mais problemas cardiovasculares. Mas ninguém lembra que na faixa etária entre 15 e 30 anos, destacadamente a causa mais importante de morte são os traumas, chamados causas externas. Infelizmente quando se olha o perfil da etiologia dessas causas externas, percebe-se que os acidentes automobilísticos aumentaram proporcionalmente ao aumento da população. Mas infelizmente a violência interpessoal – tiros, facadas, - aumentaram de uma forma estrondosa no País nos últimos anos. E se prevê que isso vai se acentuar com o tempo. Considera-se que, embora sejam dados subestimados, provavelmente morrem em torno de 150 mil pessoas por ano de trauma. Em outras palavras, enquanto estamos aqui, 4 ou 5 pessoas estão morrendo de trauma no país. E infelizmente, a maioria é jovem.
Em outros países, o perfil das mortes por traumas é diferente. Aqui temos aumento fantasticamente grande de violências interpessoais. Isso denota uma característica cultural do País e investimentos deveriam ser feitos desde a escola primária. Não adianta colocar “jovens na cadeia”, tem que fazer prevenção. Quando um jovem vai para um ambiente em que vai encontrar outros que também cometeram crimes, vai aperfeiçoar os métodos dele. Infelizmente o problema não afeta políticos importante que têm doenças cardiovasculares, mas afeta a população pobre que vive em favelas, em condições extremamente precárias.
- Há como prevenir ou reduzir o trauma no Brasil?
Não vou dar essa resposta, senão vou entrar numa área complexa, vou ser preso (risos). Mas acho que está óbvia essa resposta. Na minha mente, na sua e de todas essas pessoas que percebem que isso depende de uma mudança cultural em nosso país. É um assunto que tem ficado marginalizado nas conversas das pessoas que poderiam adotar medidas nesse sentido. Isso não é questão apenas de ordem médica, mas política, é mais abrangente. Não adianta colocar polícia na rua: é que nem antibiótico - mata as bactérias menos agressivas, e as mais fortes se reproduzem. É apenas uma medida para se tentar melhorar um pouco.
- Por que é importante trazer este tema ao XII Congresso da ABM?
Temos 200 escolas médicas no País, dessas umas 60% são escolas privadas, o que já tem uma conotação meio problemática,porque a escola privada frequentemente não tem docentes qualificados, nem hospitais-escola qualificados. Outra razão é que hoje em dia o estudante de Medicina, e o próprio docente, se interessam em seguir áreas “da moda”. O cirurgião quer fazer cirurgia plástica, bariátrica, robótica, mas trauma... O trauma afeta mais jovens, de classe socioeconômica e cultural baixa, então na maioria das escolas de Medicina do país, o ensino do trauma é precário, quando existe. Do ponto de vista prático, é importante que se traga esse assunto no Congresso; deveria ser discutido em qualquer encontro de Medicina do país inteiro, para despertar no jovem a atenção para esse problema.